Auren en Diario O Globo

21/09/2016

BUENOS AIRES – O primeiro passo foi dado pelo presidente Mauricio Macri, em junho passado, quando anunciou sua decisão de repatriar em torno de US$ 1,2 milhão, que tinha depositado num banco nas Bahamas. Um mês depois, o Congresso argentino aprovou a Lei 27.260, que prevê amplos benefícios para quem decidir legalizar dinheiro (guardado, literalmente, debaixo do colchão), contas bancárias, sociedades e imóveis não declarados no país e no exterior.

Sem ter conseguido ainda a chuva de investimentos que esperava em seu primeiro ano de gestão — prometida durante a campanha de 2015 —, o governo Macri iniciou verdadeira cruzada para que os argentinos aceitem tornar seu patrimônio transparente e terminar com décadas de fuga de capitais e investimentos não declarados, principalmente fora do país. O plano tem dois objetivos centrais: dar um sinal de confiança aos investidores e aumentar a arrecadação, aliviando as necessidades de financiamento do país do ano que vem.

DÉCADAS DE REFÚGIO NO EXTERIOR

Os números que estão em jogo são impactantes: estima-se que os argentinos tenham em torno de US$ 200 bilhões no exterior. Os investimentos em imóveis chegariam a US$ 11,5 bilhões e em empresas, a US$ 25,5 bilhões. Desde a década de 1980, as constantes crises econômicas, desvalorizações e confiscos instalaram uma cultura de poupança em dólares, em muitos casos, depositadas em outros países e nunca declaradas.

Esta estratégia de sobrevivência financeira se intensificou ao longo dos anos, e Macri pretende convencer os argentinos de que chegou a hora de trazer o dinheiro de volta. A meta da Casa Rosada é atingir ao menos US$ 20 bilhões em repatriação. Para isso, autoridades de seu governo decidiram dar o exemplo. Um dos casos que teve mais repercussão foi o do presidente do Banco de la Nación Argentina, o economista Carlos Melconián.

— Como muitos argentinos, tenho dinheiro guardado no exterior… Claro que vou trazer o dinheiro, e ele ficará aqui como economia, para meus filhos. Não faz sentido tê-lo fora — declarou Melconián.

Para ele, “à medida que o país for gerando confiança, todos trarão seu dinheiro”. Confiança foi justamente o que os governos de Cristina Kirchner (2007-2015) não despertaram. Em 2009 e 2013, duas ofertas de legalização de capitais foram feitas. Somadas, elas conseguiram repatriar apenas US$ 7,4 bilhões.

O governo Macri tem como caso bem-sucedido um plano similar aplicado pelo Chile, que legalizou cerca de US$ 20 bilhões. Analistas locais disseram que as consultas estão se multiplicando e que o piso previsto pelo Executivo seria alcançado com folga.

— Estamos organizando reuniões quase todas as semanas, e a participação das pessoas é expressiva. Isso mostra que o plano interessa e muito — comentou o contador Federico Costantino, diretor de Impostos da empresa de consultoria Auren Buenos Aires.

INCENTIVO À ECONOMIA DO PAÍS

Para ele, o programa de repatriação é flexível, entre outras razões, porque permite que as pessoas legalizem contas bancárias sem a necessidade de trazer o dinheiro físico ao país.

A lei estabeleceu três prazos principais: os argentinos têm até 31 de outubro para declarar dinheiro que está fora do sistema financeiro — mas dentro do país —, pagando 10% de taxa. Até 31 de dezembro, podem ser legalizadas contas no exterior (sem a necessidade de transferir o dinheiro para o país), ações, sociedades e outros bens. Para imóveis, o prazo vence em março de 2017. A partir de dezembro e até o fim de março, a taxa sobe para 15%.

— Todos esperávamos mais investimentos para 2016, mas eles não chegaram. Uma repatriação bem sucedida vai dar impulso à economia — afirmou Costantino.

Segundo a consultoria Abeceb, nos primeiros sete meses deste ano, os investimentos estrangeiros diretos no país chegaram a US$ 1,7 bilhão. O montante é bastante superior aos US$ 150 milhões registrados no mesmo período do ano passado. Mas está bem abaixo das expectativas de Macri e de sua equipe econômica.

— Nosso futuro não depende deste plano, mas é importante que ele dê certo porque mostrará que os argentinos acreditam na recuperação. Alguns bancos especulam que a repatriação pode chegar a até US$ 60 bilhões — apontou o economista Dante Sica, diretor da consultoria Abeceb.

SEM AÇÕES RETROATIVAS

Para quem decidir investir em bônus argentinos, as vantagens são ainda maiores, mas especialistas acreditam que essa opção não terá muita adesão.

— De acordo com as consultas que estamos recebendo, a maioria das pessoas está pensando em legalizar dinheiro — comentou o analista Ivan Sasovsky, diretor da Sasovsky e Associados.

Ele disse estar aconselhando seus clientes a aproveitarem a oportunidade, que não deverá se repetir num prazo de dez anos.

— A lei prevê a impossibilidade de adotar ações tributárias retroativas. Quem declarar depósitos e bens pode ficar tranquilo, porque não haverá qualquer tipo de inspeção sobre o que foi feito em anos anteriores — explicou o analista.

Depois de ter eliminado o controle cambial, fechando um acordo com os chamados holdouts — que não tinham participado das operações de reestruturação da dívida argentina realizadas em 2005 e 2010 — e encerrado o capítulo do calote argentino, Macri espera fechar o ano de 2016 com a boa notícia de ter conseguido um claro gesto de respaldo de seus compatriotas.